sábado, 1 de fevereiro de 2014

a partida.



Chove.
Os lábios frios, rubros de batom pintado com fruta madura amassada.
Os olhos carregados, brilhantes, como brilhante é a lua na noite escura.
Tez pálida, carregada com linhas de dor e de esperança em igual medida.
Peso de uma vida, leveza de uma pena.
Vento em rajada assente a ferro e fogo no peito
Em turbilhão no regaço da saia
Os sonhos e os pesadelos de uma outra vida
Que pesa menos em existência e mais em desejo
Do que aquela que corre nas veias
Pés feitos de pó, traçados de vontade de rasgar caminhos
De descobrir outras gentes e outras terras
Ditam projectos encarcerados em linhas remotas no tempo e na memória
Em qualquer folha de papel gasta, amarrotada, pelos anos, pelas angústias
Definhadas por império de uma outra vontade, de uma qualquer circunstância.
Braços abertos para reter o mundo, a abraçar o vazio
O vazio da mente, o vazio da história
Da história que não foi vivida, que nem foi pensada
Mas que se desejou intensamente
Como o mar deseja a enseada e O inverno chama a primavera
Chove.
Um estado de chuva permanente,
Sem saber se são lágrimas de solidão e morte
Ou lágrimas de risos
Risos ecos nas paredes brancas
Caiadas lá de casa
Da casa desabitada da infância
Minha e tua
Irmãos de mãos dadas,
Separados, reparados
Estilhaçados
As palavras que se dizem
Só pelo olhar
Não te espero na partida
Sigo a vida de costas viradas, para não te ver ir
Sei que regressarás
Talvez já não chova.
Talvez eu já não seja a mesma.
E tu também não.
E talvez, só talvez voltemos juntos àquela casa de paredes caiadas de branco.



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